Noite
alta, acabara de deixar o amigo no aeroporto. Não qualquer amigo. Se
era o nome daquele homem que estava gravado na aliança que ela usara
mais de uma década. O pai de seu filho.
Supusera,
durante anos, que envelheceria ao lado dele. Mas o enredo os
surpreendeu e gradativamente tudo se transformou, tudo passou a ser
outro. Dentro e fora.
Culpa
de quem? De ninguém. A vida não pede licença para mudar. Simplesmente
sopra ventos, ilumina espaços, evidencia escuridões, questiona,
reforma sonhos, enfim, movimenta peças. Não raro e não por acaso, produz
sofrimento, dado o apego, a ignorância, o medo. E segue seu curso.
Mas
agora, incrível, o que já fora um mar de aflição e perda não lhe
oferecia sequer uma gota de dor, era apenas um capítulo da sua história.
E felizmente e porque assim decidiram, restara entre eles o respeito e o
querer bem.
Ao
volante, pensava com satisfação nessa conquista tão simples e incomum,
enquanto sentia o confortante frescor da noite. Movimento pouco na
estrada, a volta para casa era embalada por música suave. E no mais tudo
era silêncio e calma.
Foi
assim serena e inesperadamente que constatou a natureza dos encontros: a
efemeridade. Perdurem duas horas, vinte anos ou setenta, todos os
relacionamentos são temporários. O que muda, além da duração, é a
profundidade da troca. De modo que compartilhar alguns momentos com
alguém pode ser mais significativo do que completar bodas de ouro.
Mesmo
porque, com frequência o hábito estrangula a espontaneidade, o afeto e a
vitalidade de um vínculo. E, encolhida, seja pelo receio do conflito ou
pelo medo do novo, muita gente passa décadas arrastando cadáveres,
contratos vencidos.
Ao
compreender que a única presença imprescindível para sua felicidade era
ela mesma, essa mulher se recusou a perder a vida assim. E, agora que
já tinha pago o preço de viver um anseio legítimo, era muito mais fácil
aceitar as partidas. Com alívio, via afrouxar em si a necessidade de
prender alguém. As pessoas vêm e vão, e está tudo bem.
Importa
é manter o coração aberto. Importa se reconciliar com a solitude
original humana: nascemos sozinhos e morremos sozinhos. Importa se amar.
Importa desenvolver a capacidade de estabelecer relações cada vez mais
ricas, equilibradas de entregas e recebimentos. E saber festejar e
reverenciar a eventual companhia do outro, o que é natural quando se
sabe que não é definitiva.
Naquela
madrugada, a ilusão se desvaneceu. E ela compreendeu que o amor entre
duas pessoas só pode ser feito de liberdade. Sentiu-se feliz, muito mais
leve. E tinha o coração pacífico como sono da criança que dormia bem
ali, no banco de trás.